Entrevistei um coveiro, o que dá matéria muito interessante.
Vi a vida de um cemitério. O que me parece meio contraditório, mas não se trata
de antítese. Ele me explicou calmamente como o abrigo dos mortos acontece em
cada estação do ano. As árvores, dão mais trabalho no outono, e no verão são
muito úteis, por causa de sombra feita para gente que sofre por corpo que
morre.
Os passarinhos também ganham papel importantíssimo no
cenário mortuário, ele bem me disse que: - passarinho canta e deixa gente
alegre- e que deixam casinha de gente que não mora ali, muito sujinha com
resíduos que saem pela cloaca.
O coveiro e o pão de cada dia nos daí hoje cemitério limpo e
cova bem aberta. Coveiro também canta, e garante que os males espanta e não há
no mundo ambiente de trabalho mais tranqüilo do que esse que a sorte do seu
ofício lhe permite.
Flor de plástico é muito bom para quem quer enfeitar de
beleza que não vive, lugar de gente que não está, a eternidade da lápide de
mármore.
Sempre achei cemitério colorido, quando era criança, e me
alegrava muito os dias de finados, eu nada tinha a ver com lágrimas e lamúrias
de adultos, era a volta para casa com passagem certa pela praça com balanços,
que meu pai me levava, que causava-me maior alegria.
Fascínio de novembro, criança que chega, avô que vai embora.
O ar que corre se chama vento e limpa toda a tristeza do mundo, é por isso que
finados venta muito, para varrer ilusão de gente que choraminga. Choramingo
também lava alma, alma que lavada se renova.
E o coveiro? Como foi que perdi o coveiro nessa história?
Sai do cemitério calculando passos de gente que ainda anda, e que sou eu,
saindo da oculta vida de um coveiro, do incansável trabalho de flores, pássaros
e árvores, calculando passos para não me perder na morada dos mortos, e sobre
tudo, no mundo de coisas muito vivas.
Flor de luz
Nenhum comentário:
Postar um comentário
E seu dedo podre, o que tem a dizer?